ENTRE A DESTRUIÇÃO E A
EMERGÊNCIA
“os lugares são mais fortes que as pessoas, o ambiente mais forte que o acontecimento “ (Aldo Rossi. 1987)
Na memória dos Funchalenses ficou uma visão de uma noite dramática como o recente evento no Verão passado, de circunstâncias destrutivas, um fogo com uma ignição na floresta, que num ápice derramou a sua ferocidade as nossas construções, visou e atingiu uma parte baixa da Cidade, o Núcleo Histórico de S. Pedro.
Destruiu moradas, edifícios históricos seculares, abrasou espaços de valor, de encontros míticos, de atmosferas, suspendeu vidas e ao destruir, construiu o desalento na vida da Cidade. O incêndio assinalou como episódio, um facto isolado, mas deu o alarme e amplificou para uma consciência mais aguda, sobre os valores agora perdidos e da nossa intensa vulnerabilidade.
Os catorze edifícios atingidos de um conjunto de património histórico, considerado no seu todo como um “monumento” colocou-nos uma questão directa: Que fazer perante a desolação de uma cidade magoada? No imediato importa corporalizar uma reflexão para uma leitura critica e determinar medidas interventivas e incisivas da área sinistrada pelo incêndio. Ao estabelecer esta emergência importa antes de mais constituir um reconhecimento critico, mais alargado, não se restringindo ao “evento”, mas mais focado no plano de destruição pré-existente na cidade.
O “evento” do fogo constituiu o acidente, porque encontrou um caminho fértil para a sua ignição. O evento antrópico constitui o acidente maior, a decadência, o abandono, a desertificação, a ruína, os devolutos, a falência, a instabilidade, o envelhecimento, a pobreza, a invasão de carros, a poluição, isto é, o incêndio que arde docilmente durante de mais vinte anos sem se apagar.
Este plano da destruição crónica, é o motor de ignição para a oportunidade de esboçar uma estratégia valorativa de um renascimento e de uma emergente requalificação, conferindo um corpo de pensamento, urbanisticamente e arquitetonicamente focado na regeneração da Cidade Funchal. O grande desafio
inscreve-se na passagem do plano da destruição para o plano que possa constituir a sublimação. Dar nova vida a este lugar, sabendo que foi constituído de um fervilhar intenso, importa por isso como propósito deste corpo de reflexão o refundar a centralidade histórica da cidade matriz.
Porque revitalizar o centro da cidade é também um problema do lugar da arquitectura, importa entender “ a arquitectura como Cidade”, assim importa num quadro conceptual “secundarizar o discurso da linguagem e em claro benefício do discurso da Cidade” (Byrne,1997). Devemos equacionar as destruições e há muitas formas de destruição, a história do homem é toda ela convocada para a destruição e construção.
Para os arquitectos que pensamos em construir, “o que significa construir, senão criar um sentido de adequação ao que é incerto? (Barreiros Duarte). Aqui reflete-se para importante adequação e caminhar no outro sentido, executar uma acção de subtração, desconstruindo, estancando os lugares problema, a degradação, os focos de risco. Reinscrever novas moradas, tornar o espaço público mais amigável, seguro e virtuoso que privilegie as pessoas. É portanto indispensável, construir um pensamento, começar por um plano com evidência em tornar esclarecido o que queremos para a Cidade, para o lugar do nosso futuro.
Pedindo de empréstimo a Rossi, a máquina da memória, e inscrever um plano do valor histórico da cidade, instaurando um Plano da Memória, uma continuidade com as permanências, sem convocar ruturas, por afirmações de exceção, de exaltações formais, marcos fragmentados. Este lugar atingido pela decadência, preconiza formas de resistência e de valores patrimoniais que confere um carisma exclusivo, guarda sentidos míticos e herança nostálgica e é nesta amálgama de valores e sentidos que se ambiciona a autorregeneração da cidade.
É assim contra a morte da cidade, pelo grande desafio de construir um posicionamento critico perante a destruição que o plano de intervenção agora ambicionado deve incidir. Uma cidade que se instala entre o grande espaçamento do oceano azul e os picos altaneiros verdes, deve reinscrever a sua fisicalidade.
“há um tempo antes e outro tempo depois do incêndio da nossa cidade “
Funchal
Paulo David, Março 2017